sábado, 11 de junho de 2011

Uma curta abordagem à dislexia ...

A leitura e a escrita são formas do processamento linguístico. Aprender a ler, embora seja uma competência complexa, é relativamente fácil para a maioria das pessoas. Contudo um número significativo de indivíduos, embora possua um nível de inteligência médio ou superior, manifesta dificuldades na sua aprendizagem. O saber ler é uma das aprendizagens mais importantes, porque é a chave que permite o acesso a todos os outros saberes e, a sua incapacidade pode condicionar todo o percurso escolar do aluno, refiro-me, portanto, à dislexia.
Até há poucos anos a origem desta dificuldade era desconhecida, encarada como uma incapacidade invisível, um mistério, que gerou mitos e preconceitos estigmatizando as crianças, os jovens e os adultos que a não conseguiam ultrapassar.
A linguagem escrita, apesar de ser uma aquisição relativamente recente do ponto de vista evolutivo, tornou-se fulcral no processo de transmissão sócio-cultural, sendo que ler e escrever são das competências cognitivas mais valorizadas e importantes que o sujeito pode adquirir. Apesar da complexidade deste processo, a maioria das crianças que recebe uma instrução adequada desenvolve-as com relativa facilidade. Não obstante, há uma minoria que apresenta dificuldades específicas no domínio da literacia, mesmo possuindo uma inteligência normal e apresentando mestria no desempenho de outras tarefas.
A dislexia pode enquadrar-se no âmbito destas dificuldades, sendo habitualmente detectada em crianças que, ao iniciarem a escolaridade, manifestam uma dificuldade inesperada na aprendizagem da leitura/escrita.
 Os professores, enquanto responsáveis pelo ensino/instrução destas competências, desempenham um papel fundamental, sobretudo os educadores e os professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, uma vez que é nos primeiros anos de escolaridade que se denotam alguns dos indicadores mais marcantes de que estamos perante um aluno disléxico.
 De acordo com Almeida[1]existem muitos mitos e pré-conceitos acerca da dislexia, no entanto a maior parte deles são falsos, gerando-se assim (antes de partirmos para uma definição do que é, efectivamente a dislexia) a necessidade de desmistificar alguns conceitos ou ideias mal construídas acerca do que é a dislexia bem como, o que a caracteriza, como tal, passarei a elucidar alguns desses “mitos” colocados a sujeitos disléxicos.

1ºA dislexia não é uma doença.
            Ao contrário do que muitas pessoas, erradamente pensam, a dislexia não é considerada uma doença, como tal, não podemos falar em cura. Este problema é congénito e hereditário, e os sintomas podem ser identificados logo nos primeiros anos de actividade escolar, nomeadamente no jardim-de-infância. Estes indícios podem ainda ser atenuados se forem acompanhados adequadamente e direccionados para técnicos específicos, adequados às condições de cada caso.
Não podemos considerar que a dislexia provém, totalmente, de origem constitucional, ou seja, neurológica, mas é mais notável em relação ao domínio cerebral. Por outras palavras, seguindo as linhas de pensamento da autora, podemos identificar dislexia como sendo “uma dificuldade de aprendizagem na qual a capacidade de uma criança para ler ou escrever está abaixo de seu nível de inteligência; uma função, um problema, um transtorno, uma deficiência, um distúrbio. Refere-se a uma dificuldade de aprendizagem relacionada com a linguagem; é um transtorno, uma perturbação, uma dificuldade estável, isto é duradoura ou parcial e, portanto, temporária, do processo de leitura que se manifesta na insuficiência para assimilar os símbolos gráficos da linguagem; não é uma doença, é um distúrbio de aprendizagem congénito que interfere de forma significativa na integração dos símbolos linguísticos e perceptivos. Acomete mais no sexo masculino do que no feminino, numa proporção de 3 para 1; é caracterizada por dificuldades na leitura, escrita (ortografia e semântica), matemática (geometria, cálculo), atraso na aquisição da linguagem, comprometimento da discriminação visual e auditiva e da memória sequencial” (idem:).

2º O disléxico tem comprometimento intelectual.

Outro dos mitos ou estereótipos associados aos disléxicos, sobretudo quando nos remetemos para crianças, é a questão da inteligência, considerando-se que o portador desta dificuldade é incapaz de adquirir qualquer tipo de competências, em qualquer área curricular, sendo por vezes colocado perante um plano de acompanhamento diferenciado em todas as disciplinas de forma desnecessária, pois, como nos é clarificado por Almeida1segundo a Teoria das Inteligências Múltiplas, o ser humano possui habilidades cognitivas: inteligência interpessoal, inteligência intrapessoal, inteligência lógica-matemática, inteligência espacial, inteligência corporalcinestésica, inteligência verbal-linguística, inteligência musical, naturalista, existencial e pictórica. O disléxico teria sua inteligência mais predisposta à inteligência corporal-cinestésica, musical, espacial”.  
Neste sentido, verificamos que as crianças com dislexia apresentam dificuldades sobretudo no que corresponde à escrita, apresentando grandes habilidades no que concerne às áreas ligadas à arte e matemática.



3ºA criança disléxica não tem perda auditiva.

Para além dos mitos já mencionados, destaco ainda a questão da audição (existente sobretudo nas síndromes audiofonologicas e visuespaciais – um subtipo da dislexia de desenvolvimento, que esclarecerei mais adiante), para a qual existem como nos apresenta Marina Almeida1,alguns estudos que defende que a dislexia passa por ser “A) Uma falha no sistema nervoso central em sua habilidade para organizar os grafemas, isto é, as letras ou descodificar os fonemas, ou seja, as unidades sonoras distintivas no âmbito da palavra. B) O impedimento cerebral relacionado com a capacidade de visualização das palavras. C) Diferenças entre os hemisférios e alteração (displasias e ectopias) do lado direito do cérebro. Isso implica, entre outras coisas, uma dominância da lateralidade invertida ou indefinida. Mas também justifica o desenvolvimento maior da intuição, da criatividade, da aptidão para as artes, do raciocínio mais holístico, de serem mais subjectivos e todas as outras qualidades características do hemisfério direito. D) Inadequado processamento auditivo (consciência fonológica) da informação linguística.
E) Implicações relação afectiva materno-filial, o que pode entravar a necessidade da linguagem, e mais tarde a aprendizagem da leitura e escrita”.

4º A dislexia atrapalha a alfabetização
            A revista brasileira “escola”[2] refere que a troca de letras parecidas foneticamente, o facto de juntar palavras e unir letras de forma aparentemente aleatória são acções perfeitamente normais aquando do processo de alfabetização, considerando-se esses acontecimentos como um avanço face a uma etapa anterior, logo, não pode ser considerada como um erro.
No referido artigo, da revista em questão é ainda de ressalvar a referência ao estudo de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky que nas suas investigações descobriram (há quase 30 anos) que “os estudantes elaboram diferentes hipóteses sobre o funcionamento do sistema de escrita, como se fossem degraus numa escada rumo à aprendizagem. Investigações na área de didáctica são unânimes em demonstrar que se alfabetizar está longe de ser uma tarefa simples, num processo complexo em que as ideias dos pequenos nem sempre coincidem com as dos adultos”, acrescentando ainda que observar a relação do aluno com a própria escrita é mais importante do que apontar erros e muito mais efectivo do que rotula-lo como portador de um distúrbio”.
Neste seguimento vale a pena mencionar ainda, que o acto da leitura e da escrita vai muito para além da simples aquisição ortográfica correcta, pois, aspectos textuais, como a coerência, a utilização e manipulação de referências e construções lógicas de ideias, evidenciam claramente, a capacidade que o aluno demonstra em utilizar a escrita; assim, apesar de serem considerados centrais na avaliação do nível de compreensão que cada criança tem da linguagem, esses elementos muitas vezes são ignorados. Por exemplo: um aluno que troque letras pode apresentar outras qualidades nos seus textos, como a imaginação e a criatividade, riqueza vocabular, como talo, não deve ser classificado de disléxico.
5º O disléxico não gosta de ler e escrever
Como já verificamos no 2º mito, o sujeito disléxico, embora apresente dificuldades na leitura e na escrita, isso não significa que não seja inteligente noutras áreas do saber, até mesmo na área da língua materna (no nosso caso concreto, a Língua Portuguesa) e, consequentemente não sinta gosto pela leitura e pela escrita. Na realidade, o desinteresse pela leitura e pela escrita associa-se, maioritariamente às próprias dificuldades de alfabetização. Noutros casos surge associado às expectativas (efeito de pigmalião) que se criam à volta das crianças, colocando-lhes rótulos de “inteligente”; “bom”; “esforçado”; “caso perdido”, acarretando, por consequência que o aluno com dificuldades se sinta desmotivado e, por consequência, perca o gosto em aprender a ler e a escrever. Assim verificamos aqui que o decente desempenha um papel preponderante em realçar a auto-estima do aluno, reforçando-o sempre que possível, de modo a que este não perca o gosto em aprender.
Para além disto, existem outros entraves que se colocam entre a aprendizagem da leitura e da escrita, nomeadamente a falhas na visão, que nem sempre são detectados precocemente, bem como a proveniência de famílias analfabetas ou sem hábitos de leitura, que não dispões de aptidões académicas para poderem ajudar os seus educandos a superar com maior eficácia as suas dificuldades. Assim percebemos que a criança disléxica apresenta por vezes, para além dos seus problemas patológicos, uma junção de factores internos e externos à escola que dificultam ainda mais o seu processo de ensino/ aprendizagem.
Com isto, percepcionamos que enquanto professores temos de estar despertos para a essência do problema, não nos limitando a ouvir e seguir determinados mitos e ideias feitas que vão surgindo na sociedade, torna-se fundamental analisar o aluno, a sua família de proveniência e o seu meio, pois, todos estes factores interagem, influenciando, por sua vez, o seu interesse, gosto e sucesso no processo de ensino/aprendizagem de uma língua. Para além disto, é importante ainda mencionar que “cada caso é um caso” e merece um diagnóstico e tratamento diferenciado e adaptado a cada aluno, elaborado por especialistas e professores competentes que não se limitam a seguir mitos e/ou ideias feitas, mas que investigam e procuram informação acerca dos problemas, de modo a ajudar o aluno a superar as suas dificuldades e a alcançar o sucesso.


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